terça-feira, 4 de maio de 2010

Natimorto



Ontem, fui à Cinemateca Brasileira assistir uma exibição do filme 'Natimorto', dirigido por Paulo Machline. Baseado num romance do Lourenço Mutarelli, o filme conta a história da relação entre uma jovem cantora (Simone Spoladore) e um agente (o próprio Mutarelli). O agente traz a cantora pra São Paulo para apresentá-la a um maestro mas ao mesmo tempo ele propõe um acordo a ela: morar junto com ele em um hotel por 5 anos, sobrevivendo através das economias dele. Incapaz de abandonar o mundo da forma que ele deseja, a cantora faz uma mudança ao acordo, deixando ela sair durante o dia enquanto ele permanece trancado sozinho no quarto, a qual ele aceita. O que segue é a deterioração da relação entre os dois, a dementia que enlouquece e enfraquece o agente e que o deixa mais distante da realidade, seu único contato com o mundo se afastando dele pouco a pouco.
Fãs do Mutarelli e especificamente de sua obra ficarão felizes com o filme pois ele é muito fiel ao romance. Num debate que seguiu o filme, presenciado pelo diretor e sua equipe técnica, Machline contou como sua referência principal para o roteiro e elementos da arte como cenografia e figurino foi a obra em si. O filme se passa quase todo dentro do quarto de hotel onde o agente está vivendo, um espaço que foi construído num estúdio para ter domínio criativo total, não só pra equipe de arte mas também pra equipe de fotografia. Com tantos diálogos longos em um ambiente fechado, seria muito fácil para o filme simplesmente virar uma peça de teatro filmada, o que não aconteceu graças ao fotógrafo Lito Mendes da Rocha e sua equipe. Apesar de utilisar uma fotografia minimalista, Rocha aproveitou bastante o espaço para obter ângulos e enquadramentos interessantes e diferentes, muitas vezes refletindo as ângustias dos personagems.
Teve um elemento do filme que no começo achei um pouco fraco mas que no fim foi compensado: a atuação. Me pareceu que no começo do filme, ambos protagonistas pareciam muito duros, como se eles estivessem simplesmente falando textos decorados e não vivendo seus personagems, principalmente no caso do Mutarelli. No debate, o diretor esclareceu que originalmente o ator escolhido pro papel do agente foi o Marco Ricca mas que ele teve que sair por causa de outros compromissos. Faltando algumas semanas para o início das filmagens e sem ator principal, o Mutarelli se ofereceu e Machline aceitou. Ele conta como foi difícil convencer os produtores, e quando assistimos o começo do filme, entendemos por que. Mas quando chega ao ponto da loucura do agente, com certeza não há ninguém que poderia interpretar o personagem tão bem quanto o Mutarelli; ou seja, no fim valeu a pena.
O que mais me impressionou sobre o debate foi a honestidade de todos ali, tanto do Machline aceitando críticas da atuação mas justificando elas como do fotógrafo descrevendo seu processo criativo. Muitas vezes, iluminação ou planos e enquadramentos foram escolhidos na hora, organicamente. Não teve uma têse desenvolvida durante meses, foram decisões que faziam sentido pro filme e que surgiram pela necessidade. E como todos lá na sala viram, a necessidade trouxe com ela a inspiração.
Infelizmente o filme ainda não tem data prevista pra entrar em circuito comercial por falta de distribuição. Imagino que deve ser difícil veícular um longa sem atores famosos, com temas pesados e deprimentes, e sobretudo, com um título como 'Natimorto'. Mas espero que este filme consiga distribuição logo pois ele merece muita atenção. Por enquanto, lhes ofereço o trailer do filme.

Lourenço Barsi-Gomes

Nenhum comentário:

Postar um comentário